O HOMEM DE NÃO TEM MEDO DA MORTE


[Histórias] O homem que não tem medo da morte
Cemitério municipais estão localizados no alto do Morro da Glória. (Fotos: Marco Bocão)
Ele vive no alto do morro de vista para o mar, o homem que encontra a morte todos os dias há 23 anos. Luis de Oliveira, o único coveiro da cidade, não sente mais medo e diz já ter desvendado o mistério da única certeza que a humanidade tem: a morte. Oliveira é responsável pelos enterros dos dois cemitérios municipais, no alto do Morro da Glória.
Já realizou cinco enterros num só dia, porém já passou semanas sem serviço. Funcionário público efetivo aprendeu a profissão com o pai, seu Manoel, exerceu a função por 35 anos. 
Mora ao lado do cemitério, já tem seu túmulo preparado bem perto da entrada de casa. Porém, não sabe quem irá enterrá-lo, pois nenhum dos filhos tem desejo de continuar a tradição da família. 
Dia dos Finados 
Nesta semana, seu Luis é muito requisitado por familiares em busca da localização de túmulos. Outros em busca de histórias de fantasmas e procedimentos administrativos. O resto do ano, os mortos são esquecidos de acordo com o guardião do cemitério. 
A capela mortuária de uma criança morta num acidente de carro recebe visita quase todos os dias há mais de 10 anos. “Alguém da família chega faz sua oração, limpa, troca as flores. Eles colocam brinquedos e até trazem a comida mais predileta do menino. Nunca vi tamanha dedicação”, lamenta. O espaço chama atenção dos visitantes, que também rezam para o menino. 
Rituais
Pedidos mais inusitados são solicitados para o cerimonial fúnebre. Ao abrir o caixão para a última despedida, amigos e familiares costumam colocar fotos, livros, objetos preferidos, perfumes, dar o último abraço, beijo e um afago. Seu Luis diz que no momento de desespero alguns familiares o empurram, xingam e querer ser enterrados juntos. “Tenho que manter a calma e ser rápido. Não posso me envolver emocionalmente” declara ele. 
Em casos de crianças, o controle é redobrado. Os pais costumam deixar o filho com os brinquedos prediletos, já enterrou crianças com pipas, carrinhos, roupas de super-heróis, bicos e bonecas. 
 
Os familiares, a cada cinco anos, precisam fazer a renovação do túmulo nos cemitérios municipais. Caso não seja realizado, a prefeitura tem o direito que disponibilizar o espaço para novas famílias. 
Então pode entrar em ação, o coveiro Luis. Ele que retira os corpos e coloca no ossário, quando os familiares não aparecem depois da notificação da prefeitura. 
“Todos nós viramos pó, uns demoram mais, principalmente, quando tomam muito remédio em vida, outros, a transformação é rápida”, declara. 
Aos populares que costumam questioná-lo na rua quando conhecem seu ofício, já filósofa: “É no cemitério que todo orgulho se acaba e todo valente se cala”.
Fantasma
Depois de um dia de trabalho, Luis costuma escolher um local estratégico no cemitério e ficar de olho em vândalos. “Fantasma nunca vi, mas escutei vozes e assisti objetos caindo do nada”, conta. Trabalha no cemitérios desde os 12 anos, ao lado do pai. Numa época que não tinha energia elétrica em casa, e utilizavam as velas deixadas num pequeno caixão construído numa pedra,onde os visitantes faziam suas orações e pedidos. 
Quando trabalhava com o pai, os dois fizeram um acordo. O primeiro que morresse voltaria para contar como é a vida após a morte. Semanas após a partida do pai, o coveiro Luis aguardava a visita. “Esperei e nada, até pedia para ele me contar sentado na beira do túmulo”, contou.
Meses depois, uma noite tranquila e fria, o pai Manoel apareceu em sonho. O coveiro Luis narra em detalhes o passeio que fez com o pai pelo cemitério e pelo Morro da Glória. No final o pai disse para ele não se preocupar, pois o outro lado é muito bom. “Acordei assustado e feliz por ver o meu pai”, diz. Até hoje aguarda uma nova visita, mesmo em sonho, por enquanto nada. 



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